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Propriedade Intelectual na era da Inteligência Artificial

Escrito por Marcella Martinez | 09/09/24 14:14

A arte de criar, desde as formas mais primitivas até as mais inovadoras, tem sido o motor que impulsiona o progresso humano.

A revolução trazida pela Inteligência Artificial (IA) está remodelando o mundo como conhecemos, impactando diretamente a maneira como criações e invenções são concebidas, desenvolvidas e protegidas.

Em um cenário onde máquinas geram obras de arte, composições musicais e até mesmo soluções tecnológicas, a Propriedade Intelectual (PI), que outrora era pensada para proteger criações exclusivamente humanas, enfrenta o desafio de se adaptar a essa nova era.


 

No âmago dessa revolução está o direito de proteger o intelecto, a base que impulsiona o progresso social e econômico ao assegurar a originalidade e a inovação. A PI sempre foi o elo entre a criatividade e o mercado, garantindo que inventores, artistas e criadores tivessem o controle sobre suas criações.

Agora, à medida que algoritmos começam a desempenhar papéis cada vez mais ativos nesses processos criativos, a pergunta central que emerge é: Como proteger as criações geradas por IA?

Ao longo da história, a PI evoluiu para acomodar inovações tecnológicas, desde o surgimento das primeiras patentes até o advento dos direitos autorais. No entanto, a IA representa um desafio inédito, que exige uma reflexão profunda sobre como a lei pode acompanhar essa transformação tecnológica sem sufocar a inovação, ao mesmo tempo em que protege os direitos dos criadores humanos. 

Uma breve história da Propriedade Intelectual

A PI forma a ponte entre o mundo das ideias e o mercado, dividindo-se em duas vastas vertentes: patentes – que abrangem invenções, marcas, desenhos industriais, e indicações geográficas – e os direitos autorais, que abraçam criações literárias e artísticas, desde poemas até complexos programas de computador.

Historicamente, essa proteção ao intelecto não surgiu por mero acaso. A Convenção da União de Paris (CUP), em 1883, marcou o alvorecer de um sistema que reconhece o valor da inovação humana. Do outro lado, a Convenção de Berna (1886), foi um marco para a defesa dos direitos autorais.

Ambas estabelecem a base jurídica sobre a qual o Brasil construiu suas legislações, hoje representadas pelas Leis 9.279/96 (Propriedade Industrial) e 9.610/98 (Direitos Autorais).

Essas leis, moldadas com precisão cirúrgica, impõem três critérios para a concessão de uma patente: novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.

A concessão de uma patente pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) é como a consagração de um rito de passagem, onde a invenção deixa de ser meramente uma ideia para tornar-se uma ferramenta de inovação protegida pela legalidade.

O inventor, ao obter sua patente, adquire o poder de impedir que terceiros utilizem sua criação sem autorização. Ao final do ciclo de vida dessa patente, a criação ingressa no domínio público, ampliando o repositório global de conhecimento.

Inteligência Artificial: uma nova era para a Propriedade Intelectual

A Inteligência Artificial (IA) vem sacudindo os alicerces da Propriedade Intelectual (PI) como poucas inovações o fizeram antes. Se por um lado, a IA tem o poder de otimizar processos criativos, por outro, levanta questões sobre a titularidade dessas criações.

Afinal, quem é o criador? Quando algoritmos são capazes de compor músicas, desenhar obras de arte e até escrever textos literários.

O caso Dabus e o desafio da autoria em invenções criadas por IA

Em 2019, Stephen Thaler, criador da máquina Dabus (um sistema de IA descrito como “criativo”), registrou patentes em vários países para invenções desenvolvidas de forma autônoma por seu sistema de IA. Entre essas invenções estavam uma luz de emergência e um recipiente de alimentos.

Dabus, sem intervenção humana direta, gerou essas criações atendendo aos critérios de patenteabilidade, como novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.

No entanto, o grande obstáculo legal residia na questão da autoria. Tradicionalmente, o inventor de uma patente é uma pessoa física que possui direitos morais sobre sua criação, enquanto o titular da patente usufrui dos direitos patrimoniais, como o recebimento de royalties.

Ao reivindicar o sistema Dabus como inventor, Thaler desafiou o entendimento legal predominante que associava a invenção unicamente a humanos.

Os pedidos de patente, no entanto, foram negados em diversas jurisdições, incluindo o Escritório Europeu de Patentes, o Escritório de Marcas e Patentes dos Estados Unidos e o Escritório de Propriedade Intelectual do Reino Unido.

As autoridades argumentaram que, de acordo com a legislação vigente, apenas seres humanos ou pessoas jurídicas podem ser reconhecidos como inventores.

No Brasil, por exemplo, o artigo 6º da Lei 9.279/96 estabelece que apenas pessoas físicas ou jurídicas podem ser identificadas como inventoras. A atribuição de autoria a uma IA desafiaria a própria noção de direitos e deveres de inventores, levantando questões éticas e legais fundamentais.

A decisão australiana e a evolução dos debates sobre IA

Um caso notável ocorreu na Austrália, onde um juiz do Tribunal Federal decidiu a favor de Thaler, reconhecendo Dabus como inventor em uma decisão inicial. O juiz argumentou que não havia nenhuma disposição na Patent Act 1990 que explicitamente excluísse a possibilidade de uma IA ser considerada inventora.

Essa decisão, contudo, foi posteriormente revista pela Corte Federal, que, em 2022, determinou que o inventor, em qualquer pedido de patente, deve ser uma pessoa física, reafirmando a necessidade de um vínculo humano na autoria de invenções.

Esse caso ilustra a dificuldade de conciliar as leis de PI tradicionais com os avanços da IA. À medida que a IA se torna mais sofisticada e autônoma, a pergunta central permanece: como garantir a proteção jurídica para invenções geradas por IA?

O desafio não se limita a questões de autoria, mas também envolve o equilíbrio entre a inovação tecnológica e a preservação dos direitos de Propriedade Intelectual.

Uso de IA para criação e a greve dos roteiristas 

Recentemente, a indústria do entretenimento vivenciou uma greve histórica organizada pelo Screen Actors Guild (SAG), em grande parte motivada por preocupações com o impacto da IA.

No centro do movimento estavam questões como a criação de efeitos visuais, a geração de roteiros e até a recriação digital de performances de atores. A Associação de Escritores Americanos (WGA) e a Alliance of Motion Picture and Television Producers (AMPTP) chegaram a um acordo, estabelecendo que a IA não poderia ser usada para escrever ou reescrever roteiros sem que os roteiristas fossem informados e tivessem controle sobre o processo.

Além disso, o contrato permite que os roteiristas utilizem IA para seus próprios fins, mas definiu que qualquer material gerado por ferramentas como o ChatGPT deve ser adequadamente remunerado. Os roteiristas ainda teriam o direito de adaptar ou editar textos gerados por IA, recebendo remuneração justa e garantindo transparência no processo.

Esse acordo, embora importante, expôs a falta de consenso e a ausência de uma regulamentação clara e abrangente sobre o uso da IA nas criações artísticas.

Embora as ferramentas de IA generativa possam parecer criar conteúdos do nada, esse não é o caso. As plataformas de IA são treinadas em grandes volumes de dados (inputs), que estabelecem parâmetros processados por softwares avançados para gerar resultados (outputs).

Esse processo, conhecido como machine learning, permite que a IA identifique padrões e responda a comandos, gerando conteúdos de maneira automatizada. No entanto, a coleta e o tratamento desses dados trazem consigo a necessidade de garantir a segurança e a proteção dos dados pessoais utilizados na criação.

Nesse cenário, é essencial garantir que os dados usados pela IA estejam devidamente protegidos, assegurando que o tratamento dessas informações seja ético e legal. A segurança dos dados é fundamental para legitimar decisões automatizadas, inclusive aquelas que afetam a concessão de direitos autorais ou o reconhecimento de criações feitas por IA.

As atuais diretrizes de Propriedade Intelectual e suas limitações frente ao avanço da Inteligência Artificial

As diretrizes atuais de Propriedade Intelectual (PI) enfrentam desafios significativos à medida que a Inteligência Artificial (IA) continua avançando. O rápido progresso tecnológico está superando a capacidade das leis vigentes de abranger criações derivadas da IA, especialmente quando a participação humana é mínima.

Nesse contexto, surge a necessidade de discutir novas formas de proteção, como uma estrutura sui generis que acompanhe as mudanças tecnológicas e proteja o trabalho dos profissionais humanos envolvidos no desenvolvimento de sistemas de IA.

Responsabilidade Legal e criações autônomas por IA

Uma das principais questões que surgem é a responsabilidade legal das criações geradas por IA. A atual regulamentação prevê que apenas pessoas físicas ou jurídicas podem ser reconhecidas como titulares de direitos de Propriedade Intelectual.

Entretanto, com o avanço da IA, sistemas autônomos estão criando obras e inventos sem intervenção humana direta, o que desafia a interpretação tradicional das leis. Em vez de atribuir a titularidade exclusivamente aos desenvolvedores ou operadores de IA, alguns especialistas sugerem que a IA poderia ser reconhecida como uma co-titular, especialmente em casos em que utiliza dados de treinamento de outras criações protegidas.

Prazos de proteção para criações de IA: novas propostas

Além da questão da titularidade, o período de proteção das criações geradas por IA também é tema de debate. Atualmente, no Brasil, as invenções seguem os prazos de proteção estabelecidos pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e pela Lei de Direitos Autorais (LDA), que variam entre 15 e 20 anos.

No entanto, com a rápida evolução da IA, esses prazos podem ser considerados longos demais, visto que muitas criações se tornam obsoletas antes do término do período de proteção. A sugestão de prazos mais curtos para criações derivadas de IA poderia ser uma solução para equilibrar a proteção de direitos com a dinâmica acelerada da inovação.

Disputas judiciais envolvendo IA: o caso Sarah Silverman

A falta de uma regulamentação específica para IA tem gerado uma série de disputas judiciais em diferentes países.

Um exemplo notável é o caso da comediante Sarah Silverman contra a OpenAI, no qual ela alega que seu livro foi utilizado ilegalmente como parte dos dados de treinamento da IA da empresa. Esse caso ilustra uma questão central no uso de IA: o conceito de “uso justo”.

Segundo a lei de direitos autorais, o “uso justo” permite a utilização de pequenas partes de obras protegidas em determinadas circunstâncias, desde que isso não prejudique o autor original. No Brasil, a Lei de Direitos Autorais também prevê exceções ao direito autoral quando pequenos trechos são usados sem fins comerciais e sem danos ao autor.

Transparência e Proteção de Dados em sistemas de IA

Além disso, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) brasileira já apresenta algumas proteções em relação ao uso de dados pessoais em sistemas de IA.

A LDA agora exige que os desenvolvedores de IA informem o uso de conteúdos protegidos por direitos autorais em seus sistemas de treinamento, garantindo transparência no uso de obras protegidas e permitindo que os titulares de direitos proíbam a utilização de suas criações.

Regulamentação em tempo real: desafios do Marco Legal da IA

Conforme descrito em recentes debates legislativos e conforme abordado pela mídia, como visto no artigo do Poder360, o marco regulatório da IA está sendo discutido e construído em tempo real.

A regulamentação da IA precisa encontrar um equilíbrio entre promover a inovação e proteger os direitos de criadores e detentores de Propriedade Intelectual. A construção de um marco legal sólido, que consiga acompanhar o ritmo das inovações tecnológicas sem frear o desenvolvimento, é essencial para garantir a segurança jurídica e a justiça no uso dessas novas ferramentas.

Adaptação das leis de Propriedade Intelectual para o futuro

A crescente adoção da IA requer que os legisladores enfrentem questões sobre responsabilidade, titularidade e prazos de proteção.

À medida que o debate avança, é essencial que as leis de propriedade intelectual sejam adaptadas para refletir a realidade da era digital e da IA, de modo que se crie um ambiente jurídico favorável à inovação, mas que também proteja os direitos dos criadores.

7 estratégias para advogados no uso da IA em Propriedade Intelectual

A utilização da Inteligência Artificial (IA) na prática jurídica está se tornando uma necessidade, especialmente no campo da Propriedade Intelectual (PI).

Advogados que atuam nessa área podem se beneficiar da IA para aumentar a eficiência em tarefas que envolvem grande volume de dados, como a análise de documentos e a identificação de infrações de PI.

Ferramentas de machine learning podem ser usadas para agilizar a pesquisa de jurisprudência e facilitar a gestão de processos envolvendo patentes, marcas e direitos autorais.

1. Automação e análise de grandes volumes de dados

A IA pode automatizar tarefas rotineiras, como a revisão de contratos de PI e a auditoria de documentos para identificar possíveis infrações de direitos.

Com algoritmos avançados, é possível cruzar informações de diferentes bases de dados e identificar padrões de uso indevido de obras protegidas por direitos autorais ou invenções patenteadas. Isso permite uma resposta mais rápida e eficiente na defesa dos direitos dos clientes.

2. Ferramentas de IA para monitoramento e prevenção de violação de PI

Ferramentas de IA também podem ser implementadas para o monitoramento contínuo de violações de PI, alertando os advogados sobre o uso indevido de criações protegidas na internet e em outros meios digitais.

Esse tipo de monitoramento preventivo é crucial para evitar litígios e garantir que as infrações sejam rapidamente identificadas e corrigidas, muitas vezes antes de se tornarem um problema maior.

3. Uso da IA na redação de patentes

Na área de patentes, a IA pode ajudar na redação e formatação de pedidos de patente, garantindo que os documentos estejam em conformidade com os requisitos dos órgãos reguladores, como o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) no Brasil.

Isso economiza tempo e melhora a precisão ao preparar os pedidos, aumentando as chances de aprovação sem grandes revisões ou correções.

4. Implementação de termos de uso de ferramentas de IA

Outra estratégia importante para advogados é garantir que as ferramentas de IA utilizadas em processos relacionados à Propriedade Intelectual estejam em conformidade com as leis vigentes.

Isso inclui a revisão e implementação de termos de uso e mecanismos de varredura de dados, protegendo os clientes de possíveis violações de direitos autorais ou infrações de privacidade durante o uso dessas ferramentas.

5. Desenvolvimento de políticas de segurança e conduta

Advogados devem trabalhar no desenvolvimento de políticas de segurança da informação para o uso de IA.

Com o crescente uso de IA em diversas operações, é fundamental que as organizações jurídicas tenham políticas claras sobre como as ferramentas de IA devem ser usadas, garantindo a segurança dos dados e a conformidade com leis de proteção de dados.

A implementação de boas práticas de segurança digital e o treinamento dos colaboradores na utilização dessas ferramentas são passos essenciais para evitar vulnerabilidades.

6. Utilização de IA para ajudar na fiscalização

Com a crescente demanda por proteção de Propriedade Intelectual, advogados podem contar com ferramentas de IA para auxiliar na fiscalização e no controle do uso de marcas, patentes e obras autorais.

Sistemas de IA podem ser usados para rastrear produtos falsificados ou cópias não autorizadas, analisando grandes volumes de informações disponíveis em plataformas digitais e detectando padrões de violação de direitos.

7. Preparação para o futuro da PI com IA

Finalmente, advogados que se especializam em Propriedade Intelectual precisam estar preparados para os desafios futuros impostos pela IA.

Isso inclui não só a utilização das tecnologias para otimizar suas atividades diárias, mas também o acompanhamento de novos marcos regulatórios e decisões judiciais que afetem o uso da IA em criações protegidas.

O entendimento profundo dessas tecnologias será um diferencial competitivo para advogados que desejam se manter na vanguarda do direito de PI.

Conclusão

O avanço da Inteligência Artificial (IA) impõe desafios significativos à Propriedade Intelectual (PI), exigindo que o direito se adapte rapidamente. A criação de obras e invenções por sistemas autônomos como o Dabus questiona os conceitos tradicionais de autoria e proteção, expondo a necessidade de reformulação das leis.

Advogados que atuam com PI precisam não só entender as novas tecnologias, mas também aplicar ferramentas de IA em sua prática para otimizar processos e proteger os direitos de seus clientes. Além disso, acompanhar os desenvolvimentos regulatórios globais sobre IA é essencial para assegurar um equilíbrio entre inovação e a preservação de direitos autorais e industriais.

Em um cenário jurídico em constante transformação, os profissionais que souberem navegar pelas incertezas da era digital terão um papel fundamental na criação de um ambiente legal mais seguro, ético e justo para a inovação. A capacidade de se adaptar a essas mudanças será o diferencial para o sucesso na prática jurídica.